Porto sobre Douro
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Qual é o fim de uma cidade em construção se não uma cidade?
Calvino, I. (2010). As Cidades Invisíveis. p.130
Ao caminhar pela margem do rio Douro, oposta à do lado do Porto, observo uma paisagem rica em história e em peculiaridades que me fazem questionar. O Porto apresenta-se, nos seus postais turísticos, como um lugar cheio de detalhes para descobrir no seu património urbano. Estes detalhes amontoam-se em sedimentos, como que em consequência de uma erosão inevitável do tempo. Por cima deles constrói-se novo património, que passa a competir visualmente com um tempo passado e com a própria natureza geográfica da margem em escarpas. As gruas e os andaimes passaram também a competir com esta logística arquitetónica de camadas sobrepostas.
Não é difícil, numa caminhada de meia hora ou num passeio de barco, percorrer o rio como se a própria água nos movesse irregularmente entre o passado e o presente, descobrindo que esta curiosa cidade nunca parece estar finalizada. Como na lenda da fortaleza de Suram[1], parece que mesmo reerguendo as muralhas insistentemente, estas voltam a ruir, uma e outra vez. Este conjunto de características, de uma cidade em permanente mudança, são observáveis a olho nu. Acabam por fazer parte daquela que é realmente, a imagem da cidade do Porto, quando vista de fora. Quem observa da margem de Vila Nova de Gaia pode olhar com mais distância e, assim, perfurar um arquétipo que se vende a quem vem de fora para visitar a cidade das pontes. Quem vive nela sente, no seu quotidiano, a respiração das máquinas, ruído e o expelir das suas poeiras; a agenda seletiva do mercado dos imóveis e a interdição à vida local em parte do seu território privilegiado. Esta definição de cidade está hoje tão entranhada nas próprias engrenagens do seu funcionamento, que os portuenses, assim como os locais de Tecla[2], “temem que assim que retirarem os andaimes a cidade comece a esboroar-se e a cair aos bocados (…)” (Calvino, I. 2010).
Ao olhar somente para o corpo deste Porto, sem lhe distinguir as cores e os grandes ícones em forma de edifícios, podemos identificar, na natureza dos aglomerados, uma cidade que dificilmente se assume num tempo ou época específica. Recusa-se a estagnar, mas em simultâneo petrifica-se naquelas que são as suas constantes, remando contra a tendência cíclica da corrente do rio.
[1] referência ao filme “A Lenda da Fortaleza Suram” de Sergei Parajanov.
[2] no capítulo “As cidades e o céu. 3.” em “As Cidades Invisíveis” de Italo Calvino.